Por: Gustavo Lacerda
Cem anos atrás acontecia a Semana da Arte Moderna no Brasil, movimento que levou ao Theatro Municipal de São Paulo artistas como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Heitor Villa-Lobos e Di Cavalcanti. Como símbolo da proposta de modernização da arte brasileira, a Semana tornou-se um dos mais influentes movimentos artísticos do país.
Mas o que foi de fato essa semana? E o que ela representou?
Resumidamente, desde 1920 já havia o desejo de realizar um evento que reafirmasse mudança de paradigma da arte e da cultura brasileira que já vinha sendo anunciado pelo poeta, escritor e dramaturgo brasileiro, Oswald de Andrade, mas a definição da Semana da Arte Moderna só ficaria clara ao final de 1921. O evento em si aconteceu nas noites de 13, 15 e 17 de fevereiro no Theatro Municipal de São Paulo, cedido graças à interferência do escritor Paulo Prado, descendente de uma das mais influentes famílias paulistas.

As noites se dividiram entre conferências, palestras, recitais, apresentações musicais e exposições. Não se tem a lista exata de todos os participantes, mas o evento contou com nomes como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Villa-Lobos, Anita Malfati, Di Cavalcanti, dentre outros artistas.
Apesar do ‘peso’ do evento hoje em dia, a Semana da Arte Moderna teve uma repercussão negativa na época, causando um grande prejuízo aos seus organizadores, que foram hostilizados por boa parte da imprensa e do público, que recebeu as apresentações a tomatadas.
Porém sua existência desencadeou vários outros movimentos e grupos importantes para o Modernismo Brasileiro. Os mais conhecidos foram originários de Salvador, Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte e de nossa cidade, Cataguases.
Semana da Arte Moderna teve uma repercussão negativa na época causando um grande prejuízo aos seus organizadores, sendo difamado por boa parte da imprensa e público, que recebia as apresentações a tomatadas.
Em Cataguases organizou-se o movimento Verde que, com apenas 6 edições, ficou conhecido internacionalmente e marca sua importância no modernismo nacional até os dias de hoje.
O GRUPO VERDE DE CATAGUASES

As influências da vanguarda modernista chegavam a Cataguases através de João Luís, que trazia livros e mais livros do Rio de Janeiro, e Ascânio Lopes que estudava de direito em Belo Horizonte.
Com apenas 16 mil habitantes, Cataguases era uma cidade bem desenvolvida e com economia como centro cafeeiro e mais tarde com a indústria de fiação e tecelagem de algodão, como a Fábrica de Fiação e Tecelagem Cataguases que seria no futuro parte da Companhia Industrial Cataguases (Cataguases). Uma soma de fatores possibilitou a criação de um movimento artístico semelhante aos que aconteciam nas grandes metrópoles da época.

Para explicar melhor sobre o Movimento Verde, convidamos Ronaldo Werneck, escritor e crítico que já colaborou com vários jornais e revistas cariocas: Jornal do Brasil, Pasquim, Diário de Notícias, Última Hora, Revista Vozes, Revista Poesia Sempre e Revista História, ambas da Biblioteca Nacional e Joaquim Branco, poeta, crítico e professor de literatura com 5 livros lançados sobre o modernismo em Cataguases. Confira abaixo nossa conversa sobre o início do movimento, sua elaboração e também o seu legado.
“O movimento Verde é o movimento modernista mais importante do interior do país”. Joaquim Branco
Joaquim Branco nos conta mais detalhes sobre fatores que viabilizaram o movimento aqui na cidade, como a influência do Colégio Cataguases, que serviu de eixo para os alunos que se destacavam na região e o trem de ferro que trazia do Rio as novidades, os livros e os jornais.
Um outro detalhe foi o Teatro Recreio (atual Cine Teatro Edgar) que começou a trazer peças do Rio e São Paulo. Mas talvez o elemento mais importante tenha sido o café, já que seu cultivo propiciou grande avanço na cidade. Joaquim diz ainda que as reuniões dos integrantes do grupo Verde aconteciam no Colégio Cataguases e em um bar conhecido como Bar do Fonseca.

Com apenas 6 edições a Revista Verde se tornou internacional.
Ronaldo Werneck, explana sobre a importância da Revista. “A revista Verde era a única revista modernista no país no entre os anos 1927 até 1929; então o modernismo (do país) todo se concentrou na cidade de Cataguases”. Ronaldo ainda cita a fala de Mário de Andrade sobre Cataguases, “Precisamos que o Brasil se transforme em Cataguases” e ressalva a importância da Editora Verde para o momento, por ser precursora antes mesmo das editoras de Belo Horizonte. “A editora e a revista Verde eram um conglomerado de grande potência da resistência do modernismo em uma cidade de 16 mil habitantes”.
“Precisamos que o Brasil se transforme em Cataguases”
Mário de Andrade sobre Cataguases.
Ronaldo também fala sobre o cuidado que os “Verdes”, como se auto- intitulavam os editores da revista, tinham com cada detalhe das edições, desde as ilustrações, de autoria de Rosário Fusco, até os anúncios publicitários, que eram feitos pelos próprios integrantes da revista.

“A revista era bem cuidada graficamente, a ponto de eles cuidarem até dos Sueltos, as primeiras notinhas, dos anúncios […]. As capas eram feitas pelo Fusco, que era o ‘diabinho verde’ da revista, multitalentos, fazia de tudo e mais um pouco com seus 17 anos.” Ronaldo Werneck nos conta que os Verdes eram muito novos, entre 17 a 22 anos. “A pessoa mais velha da revista era o Enrique de Resende que tinha editado “Turris Eburnea”, então já era um autor editado, enquanto os outros eram os meninos de Cataguases”.
[…] Agora as obras do Fusco, do Ascanio, do Chico (Francisco Inácio Peixoto), Guilhermino e do Camillo Soares, garantem a posteridade da Verde”, afirma Joaquim Branco.
Aproveitando a conversa com eles, que conheceram, inclusive, alguns dos integrantes do movimento Verde e são estudiosos do Modernismo, pedimos um paralelo entre aquela época e os dias atuais, 100 anos após os eventos da Semana de Arte Moderna.
Ronaldo Werneck faz uma análise de como a arte ainda é incompreendida e até mesmo atacada pela sociedade. Ele exemplificou a respeito de uma intervenção artística em Juiz de Fora, “A Praia“, que foi muito hostilizada pela população e acabou tendo sua próxima intervenção cancelada por medo de represálias.
“Eles desistiram com medo de agressões, olha o país em que nós vivemos 100 anos depois; parece o pessoal de São Paulo uivando contra o poema “Os sapos”, de Manoel Bandeira.”
Joaquim Branco ainda completa, “A Semana de Arte Moderna foi o chute inicial para um jogo que ainda não ganhamos.”
“A semana de arte moderna foi o chute inicial para um jogo que ainda não ganhamos.”
Apesar da distância, de tempo e cultural do movimento, eles ainda veem uma esperança em nossa cidade, observando os incentivos de empresas e alguma parte do governo para manter sempre presente a história do Modernismo em Cataguases, como também o interesse que a população ainda mantém quando há alguma intervenção artística e cultural na cidade.
“[…] É fato que um grupo de rapazes bem intencionadois procura dar nova feição à poesia – e só a essa -, pondo-a mais aos moldes do modernismo brasileiro; mas a esses, afaoga-os a indiferença do ambiente.”
Ascânio Lopes
Referências Bibliográficas:
RUFFATO, Luiz. Ascânio Lopes: Todos os possíveis caminhos. Instituto Francisca de Souza Peixoto. Cataguases – MG, 2005.
GUIMARÃES RICHA, Ana Lúcia. Uma vanguarda à moda de Cataguases. Instituto Francisca de Souza Peixoto. Cataguases – MG, 2008
Entrevistados: Ronaldo Werneck, Joaquim Branco
Agradecimentos: Marcelo Peixoto